quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Vida Traduzida


Eu sei que incontáveis pessoas estavam esperando pelo meu relatório sobre "Como é viver na Coreia, essa terra alienígena e estranha a toda e qualquer percepção humana"
Sei disso porque a repercussão da minha partida conseguiu chegar até mim apesar da distância. Parentes ligando querendo saber notícias, amigos perguntando a pergunta clássica entre outras coisas. Demorei bastante para responder essa pergunta para muitas pessoas, e para outras apenas dei respostas curtas porque já era hora de dormir - para ela ou para mim.
Heis aqui, meus amigos, o tão esperado-e-detalhado relatório da terra em que estou vivendo (finalmente!)
Eu não sei.
Sério.

Veja bem, eu prometi e jurei que seria fácil, mais que fácil, natural até escrever assim que eu pisasse aqui. Eu estava certa de um jeito errado: progredi um pouco em alguns romances que escrevo, lamentei não ter escrito em inglês para os meus amigos da banda de cá lerem e se tudo der certo um mini romance vai estar pronto daqui a pouco.
Mas... escrever sobre a Coreia, sobre o dia a dia, sobre as coisas impressionantes daqui não consigo. Não sei.
Não sei responder essas FAQ. E isso me entristece, de verdade.
Não é questão de não ter sobre o que escrever. Isso virou quase uma tese: Você sabe uma porrada de coisa, mas não consegue organizar nada e colocar no papel. Para você, tudo que você quer falar já foi dito e é ridículo dizer de novo. E o que não foi dito você não sabe nem como começar.

É claro que eu tenho uma teoria do porquê. Eu sempre tenho e sempre terei para tudo, é por isso que nunca descanso.

Vamos lá: nos últimos três meses (que parecem uma vida) estive traduzindo tudo. Minha vida, como é o Brasil realmente, como eu quero o café e como eu me sinto. Acontece que tradução é algo exaustivo (ainda bem que desisti de ser tradutora?) principalmente se, em 4 anos anos de universidade e em alguns meses na psicóloga a sua principal lição foi que é importante entender e ser entendido. De preferência com detalhes e minúcias.
E no começo era difícil até dizer para a moça do caixa que seria muito bom beber cappuccino com creme em cima. Agora eu posso dizer isso, mas ela ainda vai ter dificuldades de me entender e vai responder rápido.
Mas nem tudo é ruim, claro!
Graças a Deus fui abençoada com uma língua latina próxima o suficiente do inglês - e com o advento da ocidentalização do mundo - para me permitir falar inglês mais facilmente do que qualquer língua asiática.
O problema não é falta de laços afetivos para eu seguir em frente. O problema é o meu grande orgulho ferido por não poder perguntar para a moça sobre o creme com propriedade. Ou perguntar com erros gramaticais. A verdade é que eu não preciso de creme no cappuccino se não apenas do cappuccino. Ou, mais sabiamente, conseguir dizer isso.
Eu consegui dizer algumas vezes, mas é cansativo mentalmente. E hoje posso dizer que isso é a tão falada adaptação.
A minha vida já foi traduzida. Eu já tenho uma rotina. Já tenho certa segurança, não estou mais desamparada. Já tenho várias formas de pedir o creme em cima do cappuccino mas tenho a opção de não pedir para economizar dinheiro.

É por isso que não posso/não consigo escrever sobre isso. Queria muito conseguir espalhar para todo mundo o quão bom é essa vida e tudo isso, mas não sei como traduzir isso. Eu queria abarcar todos os meus amigos que agora se somam a várias nacionalidades mas o fato de escrever isso em português exclui todos os amigos daqui.

Talvez, em um dia normal ou em uma noite normal eu conseguirei escrever o que todos querem ler... Mas por enquanto, é isso que consigo responder e escrever.