A
lágrima
Veio inesperado, a sensação que ela teve. Veio
subindo do fundo de algum lugar abaixo e queimou. Passou pelas suas entranhas,
percorreu sua garganta, cuidadosamente evitou suas amidalas e se instalou no
céu da sua boca. Foi só ai que ela conseguir controlar: abriu e cerrou os
olhos, prendeu a respiração e soltou aos poucos, tudo para que as lágrimas que
vieram lá do fundo não fizesse aparição em público. Sua irmã sorria e ficava
parada próximo dela. O homem que ela amava também estava parado, próximo demais
dela. Ele estava lindo em seu terno bem costurado. Quanto à sua irmã, ela
parecia só mais uma em branco. Fizera tanto alvoroço para escolher aquele
vestido. Perguntara mil vezes se ela gostou. Parecia sempre a mesma coisa.
Quando achou um vestido que sua irmã estava mais inclinada a gostar, desprendeu
um grande esforço para que ela se convencesse que aquele estava bom.
O Padre começou o discurso. Ela queria esquecer quem
estava ali, resolveu prestar atenção no discurso. O amor, dizia o padre, deve
ser puro. Logo se arrependeu de prestar atenção no discurso do amor puro.
Lembrou-se da primeira vez que falou com o homem que se tornou noivo de sua
irmã. Conversaram a noite toda sobre todo o tipo de coisa. Sua irmã nunca se
dera ao trabalho de conversar. Com um flerte fácil, que escapava das mãos dela
como fazer, sua irmã conseguiu beijá-lo. Logo depois conseguiu que lhe pedisse
em namoro.
A queimação veio de novo. Olhou para o lado e viu
sua mãe chorando. Se sua mãe estava chorando, talvez ninguém desconfiasse que a
irmã da noiva amava o noivo se ela chorasse um pouco só. Deixou algumas
lágrimas caírem. Elas saíram depressa, querendo dar espaço para as milhares de
lágrimas que ela não chorara quando sua irmã lhe contou que ficara noiva.
Os noivos disseram sim, e ela lembrou do dia em que
o noivo lhe disse não. Depois de beber para comemorar sua formatura, os dois
riam e gargalhavam sem motivos. Ela tinha motivo: sua irmã chegaria tarde. À
luz do álcool, puxou-o e beijou com toda a vontade reprimida nos três anos
passados. Ele lhe beijou com cautela, mas quando voltou a sobriedade, disse
não. Esse não nunca deixaria de perseguir ela. Era a prova definitiva da
negação da sua vida, e da afirmação dela mesma como traíra.
Depois de se assumir como traíra da própria irmã, a
vida ficou um pouco menos difícil. Afinal, uma vez traíra, a única coisa que
restara era trair. Ela traía da melhor maneira que conseguia: conversava muito
com ele. Sempre tentava achar brechas na afeição dele para sua irmã, e achava
muitas. Mas nunca conseguir usá-la em seu favor. Foi assim que os dois foram
parar lá, todos bem vestidos e sorrindo para a plateia, que os aplaudia.
Ela já não conseguia controlar as lágrimas. Logo
queria gritar, mas isso teria que esperar. A dor e a queimação tomou seu peito
e sua garganta. Sua mãe não gritava, apenas chorava de alegria, por isso ela não
estava autorizada a gritar. Tentou recorrer aos seus sonhos: ele lhe dizendo
baixinho que ficaria sempre ao seu lado. Que amar sua irmã primeiro fora uma
grande piada que durou cinco anos. Que seu sofrimento ia acabar pois ele
finalmente amava ela, e somente ela. E principalmente dizendo sim sim sim para
sempre sim.
Os noivos caminharam para fora da Igreja
sorridentes. Ela ainda chorava, fazia caretas para conter as lagrimas, mas elas
sempre venciam. Decidiu sair daquele salão muito branco. Chegou muito perto da
porta, mas olhou para trás. Ele olhava para ela, com um olhar de pouca dor. As lágrimas molhavam a visão dela do seu amor. Apenas sabia que ele lhe
olhava. Piscou algumas vezes, tentando ver claramente. Mas sempre olhou
claramente. O amor estava nos olhos dele. E as lágrimas, nos dela.